O governo do MPLA, há 49 anos no Poder, teve, legitimamente, necessidade de se endividar para realizar investimento público para recuperar as infra-estruturas após a guerra em Angola. No entanto, não tenhamos (ao contrário do que se passa nas hostes do MPLA) medo das palavras. Grande parte desse financiamento serviu e continua a servir para financiar o enriquecimento ilícito de uma elite restrita, nomeadamente a formada pelos membros da “etnia” dos seus generais.
Por Orlando Castro (*)
O líder do MPLA, Presidente de Angola e Titular do Poder Executivo, general João Lourenço, disse em Junho de 2019 que a dívida externa do país tinha atingido um nível “tão alto” devido a investimentos de reconstrução, mas também por financiar “o enriquecimento ilícito de uma elite restrita”.
O general João Lourenço, corrobore-se, disse que os empréstimos também serviram para financiar “o enriquecimento ilícito de uma elite restrita”. Qual elite? Nem mais nem menos a elite a que ele próprio pertence (a dos generais) e dirige na sua qualidade – entre outras – de Comandante-em-Chefe das Forças Amadas.
Na abertura do VII congresso extraordinário do MPLA, o general João Lourenço começou por manifestar o “imenso” desejo de ter no conclave a presença do antigo líder do partido, José Eduardo dos Santos (presidente emérito do partido) “que ao longo de 39 anos conduziu o MPLA nos momentos bons e maus”.
O líder do MPLA, partido no poder desde 1975, lembrou que com o fim do conflito armado, em 2002, que destruiu grande parte das infra-estruturas, “o país teve necessidade de se endividar bastante para realizar investimento público em estradas e pontes, portos, aeroportos, caminhos-de-ferro, centrais hidro e termo eléctricas e as respectivas linhas de transmissão, centrais de captação e tratamento de água, e outras necessárias ao desenvolvimento económico e social”.
Nesse sentido, foi realizado “um grande esforço de reconstrução nacional, que obrigou o país a recorrer ao endividamento externo, situado hoje (2019) nos 63% da dívida pública, que por sua vez representa 84% do Produto Interno Bruto“.
Contudo, a dívida pública e particularmente a dívida externa atingiram “estes níveis tão altos, comparado ao que realmente se investiu nas infra-estruturas, porque ela serviu também para financiar o enriquecimento ilícito de uma elite restrita, muito bem seleccionada, na base do parentesco, do amiguismo e do compadrio, que constituíram aglomerados empresariais com esses dinheiros públicos”.
O general João Lourenço disse ainda que, “com esta situação de injustiça”, que precisa de ser corrigida, Angola despende, por cada dólar na realização do serviço da dívida, o pagamento desses investimentos “ditos privados, na banca, na telefonia móvel, nos media, nos diamantes, na joalharia, nas grandes superfícies comerciais, na indústria de materiais de construção e outros que uns poucos fizeram com dinheiros públicos”.
“Não é aceitável e não podemos nos conformar com o facto de se ter chegado a um ponto de colocar empresas públicas, com destaque para a Sonangol e a Sodiam, a financiar também alguns desses negócios privados como se de instituições de crédito se tratassem”, referiu o general que sabia, e sabe, muito bem do que fala pois a matéria “enriquecimento ilícito” é mesmo a sua especialidade.
A inversão desta situação, que considerou ser uma “batalha ainda não ganha”, vai fazer com que estes e outros recursos sirvam para “combater melhor a pobreza, retirar cada vez mais cidadãos do limiar da pobreza e edificar uma verdadeira classe média com um nível de vida aceitável”. Apesar de ser general, Presidente e protagonista directo, João Lourenço falhou em toda a linha. Angola tem mais de 20 milhões de pobres e ele próprio enriquece todos os dias.
O general João Lourenço recordou que o lema com que ganhou as eleições elegeu como principal necessidade “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, palavras que considerou “muito nobres, bonitas no papel, mas em certa medida difíceis, mas não impossíveis de as tornar realidade”. Pois é. Hoje melhorou que já estava bem para os membros da sua “etnia” generalícia e piorou o que já estava muito mal – a sobrevivência do Povo angolano.
“No que diz respeito ao corrigir o que está mal, uma coisa é dizer, é a manifestação de uma intenção, outra coisa, é ter a verticalidade moral, a coragem de o fazer realmente sem ceder a pressões, chantagens ou mesmo ameaças”, sublinhou o general com o brilhantismo que se lhe reconhece, esquecendo-se contudo de dizer com “verticalidade moral”: “olhai para o que eu digo e não para o que eu faço”.
O general João Lourenço realçou que o partido que governa em Angola há 49 anos precisa de dirigentes que façam respeitar a Constituição e a lei, que através do seu exemplo “eduquem toda a sociedade, na necessidade de respeito pelo bem público, da necessidade de todos prestarem contas da forma como gerem o erário público, que é propriedade de todos os contribuintes”. Na verdade ninguém presta contas
“É de dirigentes com este perfil, que não esperam encontrar regalias, facilidades e privilégios, que têm a consciência que ser membro do Comité Central exige mais trabalho, mais responsabilidade, melhor conduta social, que o partido precisa de descobrir e de promover”, salientou o general.
Em Abril passado, a antiga juíza do Tribunal Constitucional de Angola, Luzia Sebastião, diz que as pessoas “têm medo da justiça angolana”, apontando o descrédito das instituições como sinal da crise na justiça.
Haja Deus!. Há quanto tempo o Folha 8 diz o mesmo? A diferença é que, quando os Jornalistas dizem o mesmo, o MPLA não lê a mensagem e manda matar o mensageiro.
Luzia Sebastião, que falou à Lusa à margem de uma mesa redonda sobre a importância do 25 de Abril para a emancipação da mulher angolana, em que foi homenageada como “combatente da liberdade” contou um episódio em que relatou que há pessoas detidas, com mandado de soltura já emitido, que são obrigadas a pagar para ficar em liberdade.
“Infelizmente, há muitos episódios que chegam ao nosso conhecimento e levam os cidadãos a terem desconfiança (dos órgãos de justiça). Ir parar num órgão de justiça, hoje, é seriamente problemático, porque a justiça infelizmente, não se apresenta neste momento como um recurso”, afirmou a professora catedrática de Direito.
“Alguém que se sente prejudicado, injustiçado por uma situação qualquer não acorre à justiça (…) antes pelo contrário, as pessoas estão a fugir. As pessoas têm medo da justiça”, reforçou a juíza jubilada, apontando o contexto angolano e os problemas que o país atravessa, em que se instalou “um certo desânimo, um descrédito” como motivos para a crise da justiça.
“O homem está no centro de tudo isso, as pessoas que estão a trabalhar têm de ganhar efectivamente um sentido de responsabilidade, saber que a sua função tem de ter mérito e a sua conduta tem de ser no sentido de conferir crédito às instituições”, defendeu, considerando que se trata de um problema de “algumas pessoas” e não das instituições.
“É uma tristeza grande que faz doer a alma, estou de coração apertado”, disse a juíza jubilada do Tribunal Constitucional, dirigindo-se aos jovens que assistiam à palestra, lamentando não ter conseguido “que eles tivessem um país em que a justiça funcione”.
“O lema agora é ter medo da justiça, não é socorrer-se da justiça. Se cais nas mãos da justiça, estás perdido”, disse a também ex-directora do Instituto Nacional de estudos Judiciários e advogada, que lutou nas fieiras do MPLA (e que está no poder há 49 anos) pela independência de Angola.